terça-feira, fevereiro 14, 2012

Estupro coletivo foi um presente de aniversário (Jornal Correio da Paraíba - 14/02/2012)

DANIEL MOTTA

Campina Grande – Uma reviravolta ocorreu no crime que chocou a cidade de Queimadas e causou ainda mais revolta nos moradores do município, localizado no Agreste paraibano (a 130 Km de João Pessoa). A polícia da Paraíba revelou, durante uma coletiva no final da manhã de ontem, que a invasão à casa e o estupro coletivo de mulheres durante uma festa foi uma “armação”. O crime foi planejado como “presente” para o aniversariante, o proprietário da casa Luciano Santos Pereira.

A delegada Cassandra Duarte revelou que todos os homens da festa sabiam do plano e que haveria os estupros em série. Os alvos principais eram duas irmãs que estavam na festa. O plano foi planejado e executado por Luciano e o irmão dele, Eduardo Pereira dos Santos, 28 anos. A dupla reuniu mais oito amigos e executaram a noite de horror, entre os convidados. Em um determinado momento da festa, parte do grupo, usando máscaras de Carnaval, simulou a invasão à casa e os estupros. As vítimas sobreviventes contaram que na hora do abuso sexual, os acusado riam do desespero e do sofrimento delas. Sete mulheres foram estupradas, das quais duas acabaram sendo mortas.


De acordo com a polícia paraibana, os irmãos só não teriam planejado as mortes da professora Isabela Pajussara Frazão Monteiro, 28 anos, e da recepcionista Michele Domingos Silva, 26. Elas foram executadas porque reconheceram Eduardo na hora em que eram estupradas. Toda a ação criminosa contou com a participação de 10 homens, dos quais três são adolescentes. Nove deles foram detidos ainda no domingo e o outro no final da manhã de ontem.

Segundo o superintendente da 2ª Delegacia Regional de Polícia Civil de Campina Grande, André Rabello, o crime foi planejado pelos irmãos durante a manhã do último sábado. Luciano pediu ao irmão que ele realizasse a festa e atraísse as ex-cunhadas dele, que seriam estupradas durante a festa, uma delas, Isabela.

Homens sabiam
O delegado informou que eles compraram, em um supermercado local, os materiais para amordaçar e amarrar as vítimas e, depois, entregaram para três adolescentes que faziam parte do bando. “Após isso, eles deram continuidade ao plano, convidando as vítimas para a festa, que aconteceu durante a noite. Além das mulheres, outras 15 pessoas participaram da festa. Todos os homens que estavam no local sabiam do plano e iriam estuprar as outras. Eles só não estupraram todas que estavam na casa porque foram reconhecidos e decidiram executar as duas moças”, contou a delegada de homicídios, Cassandra Duarte.

Estupradores agiram por prazer

Álisson Arruda

Os envolvidos no estupro coletivo de cinco mulheres e assassinato de duas delas possuem as três finalidades que fazem um psicopata agir: prazer, poder e status. Foi o que analisou a médica psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva. “Eles agiram para mostrar poder de quem faz mais sexo violento no meio do grupo, por status de ser o mais ‘fodão’. Mas o grande objetivo nesse caso foi a diversão, agir por prazer no sofrimento do outro”, afirmou.

De acordo com a psiquiatra, pela forma como o crime foi executado, pelo menos dois dos acusados são psicopatas com poder de comando e conseguiram manipular os demais. Ela afirma que o total dos que possuem algum transtorno pode ser até maior, pois o índice de psicopatia da população em geral é de 4%. Para ela, o planejamento do crime caracteriza uma mente perversa, que parte da premeditação e não como uma ação por impulso.

“O que a gente vê nesses movimentos de grupo é que um consegue manipular pessoas que teoricamente não teriam coragem. Quem fez toda arquitetura desse suposto presente de aniversário com certeza é um psicopata porque a condição de ser assim é exatamente não ter capacidade de empatia, de nunca se colocar no lugar do outro, não ter sentimento e, com isso, só vai ter a pessoa como uso”, avaliou.

Ana Beatriz Barbosa avalia que o grau de psicopatia dos envolvidos no crime vai de moderado a grave. Segundo ela, uma pessoa de grau leve é aquela capaz de aplicar golpes e rir de tudo, mas não é capaz de matar. Mas o estupro das mulheres de Queimadas envolve a ação de um psicopata de grau moderado, que mata se for preciso para não ser descoberto ou do nível mais grave, que é fazer a maldade com as próprias mãos e ter prazer na perversão, como estuprar e ainda matar as vítimas.

“Temos uma questão mal elaborada de achar que o mal não existe. Existem pessoas que nascem com essa predisposição, com essa indiferença com a vida do outro. Seria muito bom achar que é só a sociedade que corrompe. A sociedade tem uma influência, mas a pessoa já tem a índole. O problema é que a sociedade é permissiva para que os psicopatas se manifestem e ousem cada vez mais. Nesse caso, eles mataram para não serem descobertos e sem qualquer intenção de se arrepender. Contando com a impunidade, ousaram ir mais além”, explicou.

Para a psiquiatra, é preciso estar atento para reconhecer psicopatas como esses e se proteger. Segundo ela, o primeiro passo é estar atento ao passado, pois certamente uma pessoa que tem o desejo de um estupro coletivo já deu sinais anteriormente. Ana Beatriz afirma que quando uma criança tem transtorno de conduta já é possível perceber, pois são crianças com pouca sensibilidade ao sofrimento dos outros, tem facilidade de torturar animais, e tendência a ser violentas e vingativas quando passam por frustrações.

“Tem que ter cuidado com quem entra na vida da gente como perfeito demais porque os psicopatas são grandes enganadores, megalomaníacos, falam muito de si, parecem perfeitos. E quando não conseguem o que querem, passam a contar mazelas da vida e se dizem vítimas de injustiças. Contam para causar pena. É um recurso que não sentem, mas sabem usar para atrair as presas. Elas foram fisgadas por uma fera, selecionadas, comidas e executadas adequadamente como um psicopata faz porque ele se acha muito inteligente e, nesse caso, acharam que resolveram o problema matando”, destacou.

Segundo a psiquiatra, o crime entra nos casos mais chocantes do país. Ela lembrou que, assim como alguns acusados pelo crime em Queimadas foram ao velório das vítimas, o acusado pelo assassinato de Daniela Perez, Guilherme de Pádua, foi o primeiro a mostrar solidariedade quando o corpo foi encontrado. Ela também apontou que há semelhanças na ação de Lindemberg Fernandes ao matar Eloá Cristina Pimentel.

A psiquiatra afirmou que a sociedade tem dificuldade em admitir, mas uma educação só pode limitar a maldade de pessoas como essas, mas não anula. Para ela o que se pode é diminuir os dados. “Mesmo que não mate, essas pessoas deixam um rastro de destruição e é preciso estar atento aos pequenos detalhes. Está na hora de a sociedade mostrar que acontece alguma coisa e que todos os envolvidos nesse crime sejam profundamente punidos”, afirmou Ana Beatriz Barbosa.


Sobre a psiquiatra

A médica psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva é graduada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ) com pós-graduação em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É professora Honoris Causa pela UniFMU (SP) e Presidente da AEDDA – Associação dos Estudos do Distúrbio do Déficit de Atenção (SP). Diretora técnica das clínicas Medicina do Comportamento do Rio de Janeiro e em São Paulo. Escritora, realiza palestras, conferências, consultorias e entrevistas sobre vários temas do comportamento humano. Entre as publicações está Mentes Perigosas: O psicopata mora ao lado.

Plano era simular assalto

DANIEL MOTTA

Após atrair as vítimas para a festa, Eduardo e Luciano combinaram com outros seis comparsas para que eles forjassem uma invasão à residência, para que eles aproveitassem e realizassem o estupro. “No momento da invasão forjada, os dois irmãos fingiram ter sido trancados e amordaçados em um quarto, mas o que aconteceu foi que os comparsas apenas renderam as vítimas para que Eduardo, Luciano e ‘Chapinha’ (Fernando Júnior) cometessem os estupros”, explicou a delegada.

As esposas dos acusados também estavam na festa e foram feitas reféns, trancadas no banheiro. “Elas não sabiam que os maridos tinham planejado o crime. Foram vítimas também. Elas pensavam que tinha sido um assalto, assim como eles inventaram para a polícia”, acrescentou a delegada de homicídios.

Após serem reconhecidos por Isabela e Michele, os acusados decidiram executar as vítimas para não serem entregues à polícia. Michele e Isabela foram colocadas na carroceria de uma pick up Estrada, para serem executadas fora da cidade. No entanto, ainda no Centro da cidade, as duas vítimas conseguiram se soltar e uma delas se jogou de cima do veículo.

“Ela caiu na calçada de trás da igreja e um dos adolescentes do bando, que seguia de moto, avisou ao Eduardo que, no momento, conduzia a pick up, e ele desceu do carro e disparou um tiro de pistola na cabeça dela. Em seguida, fugiram em direção a Fagundes. No caminho, eles executaram a segunda moça”, relatou a delegada Cassandra Duarte.

O corpo da professora Isabela Pajussara foi encontrado nu em cima da carroceria da pick up. Ela estava com as mãos e os pés amarrados e a boca amordaçada com uma meia. Depois das execuções, os dois irmãos e os demais integrantes do bando voltaram para casa e disseram à polícia que foram vítimas de um assalto e que as amigas que estavam com eles na comemoração teriam sido violentadas sexualmente e depois mortas. “Disseram a sangue frio. O Eduardo, preso no velório, chegou a lamentar o crime, dizendo que estava revoltado e que desejava a morte de quem tinha feito o crime”, disse o superintendente André Rabello. Além de armas, a polícia apreendeu os materiais que eles compraram para amarrar e amordaçar as vítimas.

Irmãos podem ser foragidos do RJ

De acordo com o delegado André Rabello, os dois irmãos acusados de planejar o crime são do Rio de Janeiro e estariam morando em Queimadas há três anos. A polícia acredita que eles são foragidos da justiça carioca, mas ainda não descobriram qual o crime eles cometeram. Além disso, a polícia está investigando a participação deles em homicídios e assaltos ocorridos em Queimadas e região. “Já tivemos algumas informações do envolvimento deles em assassinatos na região, mas nada ainda comprovado. Vamos ver com a justiça do Rio que crime eles cometeram por lá”, declarou o delegado regional.

Padrão de vida é elevado

Segundo a polícia paraibana, apesar de não declararem renda nem profissão, os acusados levavam uma vida de luxo, com carros modelo I.30, mansões e dinheiro. Eles não explicaram os bens e a polícia desconfia do envolvimento deles em crimes como assaltos. “Eles tinham um padrão de vida bem elevado, faziam festas, andavam em carros luxuosos e não trabalhavam em nada na cidade de Queimadas. Por isso, vamos investigar para saber a procedência dos bens deles, mas desde já suspeitamos que eles tenham envolvimentos com crimes para aquisição de dinheiro”, revelou a delegada Cassandra Duarte.